quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Quem conta um conto, aumenta um ponto. Parte I

Antes de mais nada, quero esclarecer que este texto não será considerado em momento algum algo próximo de uma produção literária. Esta parte eu deixo para os Imortais. Qualquer nome ou semelhança da vida pessoal de algum possível leitor será considerado mera viagem astral do leitor, seja esta causada ou não pelo efeito de drogas pesadas. Tenho dito.

Eis que conto:




A vida é coisa engraçada mesmo. Durante toda a existência fui treinado para superar os obstáculos que esta nos impõe. Mas uma coisa sempre nos falta na dada hora.
Anos a fio de provas, preparação, dedicação. Tudo passa num piscar de olhos. Na hora chegada, só há bruma, o ar pesado e úmido, a tensão evidente no estalar dos dentes. Há dezenas, centenas de milhares na mesma situação que eu agora. A manhã é negra, embora a alvorada já tenha passado. Os pés tentam fincar-se na grama pisoteada do vale. A posição é imprópria, o novato sempre se posiciona mal, não importa o que aconteça. Novato é novato.

A frente forma-se a primeira falange. A espera é longa; longa demais. Os corvos, arautos da destruição, espreitam acima das cabeças, sedentos por carne nova. Os corvos são os verdadeiros vencedores. Sempre deleitando-se sobre os corpos dos derrotados, que jazem sobre o campo vermelho-ocre e fétido. Quanto mais se avança percebe-se a mudança do solo. Este torna-se macio, acolhedor para os pés, forma uma base firme, forjada por sangue e corpos. Nesta batalha, andar sobre os corpos dos outros é fato corriqueiro, pelo visto. Minha mão treme frente à batalha que se aproxima lenta, sombria. Ouço o ruído dos primeiros cânticos, o torpor dos veteranos para suportar os horrores que vem a seguir.

Chego enfim à posição escolhida. Nessas horas, a lança é curta e o escudo parece frágil. A espada, tão cuidadosamente afiada durante os anos de treino, é pesada e escorregadia. Numa parede de escudos ela não tem muita utilidade. O Exército inimigo se aproxima, sombrio, fazendo o chão tremer. Eles estão a Norte, a favor da colina, enquanto nós só temos o Sol como vantagem. E este está encoberto por bruma, núvens negras e corvos. No chão, um trevo com folhas ainda verdes jaz pisoteado em meio à lama ensangüentada. Parece um bom presságio.

O estômago dá voltas. Estou na segunda fileira, no flanco esquerdo da nossa parede. O que me facilita, pois sou canhoto. Depois de estudar a parede inimiga e gravar fundo na mente a imagem pintada nos escudos e bandeiras, eis que o estrondo toma conta do negro dia. A morte toma seu lugar de espectadora e contagia a todos os demais. Para um iniciante, a Desolação vira uma cena deturpante do Inferno. Rezo que a morte seja rápida e a vitória, gloriosa.

Mantemos nossa posição, escudos se chocam num grande trovão que responde à investida do inimigo. Por um breve instante tudo emudece, as pernas se dobram ao chão, frente ao choque de corpos, lanças e escudos. Faz-se um clarão rápido, um baque surdo. Neste primeiro momento não há gritos de dor, tampouco mortes. Somente a pressão de escudo contra escudo, uma confusão louca para empurrar o inimigo ladeira acima. E então, quando a Senhora Negra dá seu grito de pavor, o sangue já pode correr livre colina abaixo, para alimentar os Oceanos Vermelhos do submundo.

As mãos suadas quase perdem a lança. Reforço o aperto até as juntas dos dedos esbranquiçarem. De repente, um clangor metálico ressoa em minha direção. O instinto reage rapidamente e faz com que somente um arranhão se faça em meu rosto. Meu companheiro a frente cai, e com ele, o inimigo perde a lança. Logo depois, o instinto move meu braço a frente, enterrando minha lança na barriga do assassino. Meu companheiro está vingado e minha vida está salva. Pelo menos até o próximo tomar o lugar deste; e digo-lhes: entranhas humanas são deveras traiçoeiras. Fazem-se convidativas à ponta de nossas lanças, mas num esforço último e gorgolejante, não as soltam, como os sacos de areia da Academia. As mãos de novato abrem-se em bolhas facilmente e a madeira da lança nunca usada lança farpas em sua carne.

O restante da batalha se segue com pouca diferença. Não sinto a faca cravada em minha coxa até tropeçar sobre um inimigo morto e, por pouco não me juntar a ele, não fosse pelo meu companheiro de escudo. Retiro a faca e com ela, vem a dor lancinante. Agora, existem três irmãos de armas entre mim e a linha inimiga. Por sorte, nossa barreira de escudos permanece sólida, embora mui mais delgada. Duas fileiras jazem, alimentando os corvos. Os inimigos, antes animados ladeira abaixo, sentem as pernas cansarem e o calor do Sol, agora brilhando entre as núvens do meio dia, calcinar os elmos de metal em suas cabeças. A Morte dá risadas no topo da colina. Seus pássaros estão sendo bem alimentados hoje.

Pouco depois, volto à frente de batalha. Ao longe, percebo o vulto do Senhor Negro em seu pesado cavalo de batalha. Seu manto púrpura ensangüentado é como a noite do juízo. Ceifando os hereges do mundo. Parece ser o arauto da Senhora Negra, que ainda dá risadas na colina.
Com este descuido, quase perco meu braço direito para uma espada enferrujada, que ficou retida em meu escudo antes de quebrar-se. Nossa parede de escudos se desfez. Não porque os nossos caíram, mas porque agora os deles eram poucos e nós subíamos a montanha animados. No meio do caminho meu pé, agora descalço, prende em um elmo negro, com dois chifres de cabra protuberantes. Só agora me dei conta de que o sangue do manto do Senhor Negro não era de meus companheiros, mas seu.

Minha espada ainda conseguiu sentir o gosto do sangue de outros cinco antes do cair da noite. As pernas já não respondiam, os braços não mais brandiam sequer uma pena. Queria que tudo fosse um sonho, mas as moscas, o cheiro de sangue fresco e o grasnar dos corvos iriam atormentar meus sonhos por inúmeras noites.

(continua)

4 comentários:

Mariana Mendes . disse...

Ao contrário do que você achou, eu gostei!
Quero só ver a continuação, hem?

Beijos

Mariana Mendes . disse...

Wil!!!
E a aula, como tá?

Beijos

Mariana Mendes . disse...

Outro cometário meu pra ver se você vai no meu blog e me dá notícias =P

Joking Joker disse...

Hsuahushuahsuhaushas... quem conta um conto as vezes aumenta mais do que um ponto... as vezes acresenta umas palavras, umas vírgulas, e bota os pontos onde elas querem xD

Abraçoes e saudade SAFADÃO